A FRANCISCANA

Na fila do banheiro no aeroporto, à minha frente, estava uma freira.

Eu, mesmo não sendo católica, achei que aquela seria uma freira da Ordem Franciscana. Eu já vira as fotos do santo que deu origem à ordem.

Nos pés, calçava sandálias. As dela não eram daquelas, modelo da marca Franciscano. Aquela moça, vestida com um hábito marrom, um grosso cordão na cintura, com a cabeça coberta por um pesado véu da mesma cor, não calçava sandálias franciscanas. Tinha nos pés as legitimas sandálias Havaianas.

Talvez São Francisco, pensei, se vivesse hoje, também escolheria as havaianas.

Aquela moça, a freira franciscana, levava somente uma mochila. Uma mochila simples, de tecido, artesanal.

Eu, que viajava para um fim de semana prolongado na praia, havia planejado cuidadosamente a minha bagagem. Queria levar o mínimo possível, para não ter trabalho.

Já houve um tempo em que eu, mesmo para descansar, levava tanta coisa que, afinal, tinha um trabalhão para arrumar, desarrumar a mala, para despachá-la, esperar na esteira que, enfim, a viagem de descanso me cansava. Geralmente eu não usava nem um terço das roupas que levava.

Na fila do banheiro fiquei pensando na mochila da freira. Ah... Se eu tivesse olhos de raio-X, ou se ao menos pudesse dar uma espiada quando sua mochila passasse pela esteira na entrada da sala de embarque... O que será que ela levava?

Talvez uma ou duas mudas de roupa de baixo, produtos de higiene, talvez um sabonete, um  xampu. Nem sei se a Ordem ou sua falta de vaidade lhe permitiria usar um condicionador, leave-in e tantos outros produtos que não sei como seria a minha vida sem eles.

Mas ela levava uma vantagem em relação a mim: com a cabeça coberta e o cabelo preso, tudo fica mais simples. Às vezes acho que o costume das mulheres muçulmanas de também cobrirem a cabeça facilita a vida de quem, como eu que sou de origem árabe, tem os cabelos cacheados e rebeldes.

Continuei viajando pelos meus pensamentos e fantasias a respeito da mochila da freira franciscana. Talvez ela levasse um creme hidratante, já que o clima de Brasília às vezes é tão seco... Perfume, jamais! Nem batom, nem ao menos um lápis de olho. Não consigo sair de casa sem ter brincos na orelha, um lápis nos olhos e ao menos um batom nos lábios e na bolsa.

Voltei à mochila da freira. Certamente levava um terço para rezar, uma Bíblia. Talvez um caderno de anotações e algum outro livro de preces e meditação.

Comparei a mochila, que eu imaginava, da freira com a minha própria bagagem, que eu levava à mão. Comecei a achar, ao contrário do dia anterior, que eu estava levando coisas demais...

Uma das queixas mais comuns que chegam à clínica psicológica é o cansaço da vida que se leva. É o questionamento de tudo que se faz para manter um padrão de vida que às vezes nem é tão alto, mas é exigido pela sociedade em que se está inserido.

O ciclo vicioso começa pela necessidade de ter muitas coisas. É preciso vestir-se bem. Não só isso, há o apelo para a moda e os modelos de marca. É preciso acompanhar a tecnologia,  as tendências de decoração, ter um carro que demonstre o seu padrão econômico.

Para ter muitas coisas é preciso lugar para guardar. E aí precisa de espaço para armários e, naturalmente uma moradia maior... A bola de neve vai aumentando e quando a pessoa e a família percebem, estão com a renda futura comprometida, o que geram dívidas, juros altos e... muitos sabem do que estou dizendo. Já não se dorme mais, ou se procura trabalhar muito mais, quando não se cai na tentação de pequenos, no início, deslizes para aumentar a renda.

Chama à atenção a simplicidade franciscana. A simplicidade que o santo aprendeu nas Escrituras e com a natureza. A simplicidade de Cristo que dizia, sabiamente: "porque estais cansados e sobrecarregados? Aprendei comigo, que sou manso e humilde".

Aí está o segredo da tranquilidade e do descanso: a simplicidade, a humildade! Quando queremos parecer mais do que somos, quando queremos parecer mais do que o outro, quando queremos parecer que somos pessoas diferenciadas, especiais, não pelo que somos, mas pelo que temos, invertemos os valores naturais.

O paradigma vigente em nossa sociedade pós-moderna é: é preciso FAZER, para TER, para SER. Ou seja: eu preciso trabalhar muito, mesmo que seja traindo a minha vocação, para ter muitas coisas e aí então serei alguém, serei respeitado etc.

O novo paradigma que desponta neste novo século é: eu preciso SER, para FAZER, para TER. Essa atitude nos leva a buscar as coisas essenciais, a estar mais próximo da nossa verdadeira vocação, do nosso mais íntimo ser. Consequentemente, fazendo melhor, de forma mais eficaz, receberemos melhor paga pelo nosso trabalho e, consequentemente, poderemos usufruir, de forma digna, ética e moderada, do que o dinheiro pode comprar.

Mas, muito mais ainda: teremos tranquilidade, descanso, mesmo que se trabalhe muito. Teremos satisfação plena, sem precisar buscar nos apelos da moda, a satisfação que ela nunca poderá nos dar!

Acho que, se eu fosse freira, ia querer ser franciscana...

Comentários

  1. Se eu fosse frei, também!
    Maravilhosa a tua reflexão (não crônica)! Vou começar a usar mochila artesanal.
    É tão mais fácil ser o que realmente somos, saber o que realmente é nosso e do que realmente necessitamos, e não o que pensamos que somos, pensamos que temos e pensamos que precisamos, para viver uma vida prazerosa, não é? Você matou a pau quando falou sobre "SIMPLICIDADE" e "HUMILDADE".
    A Bíblia (pelo menos a que eu uso) traz 5 referências sobre simplicidade e 10 sobre humildade. Chamaram minha atenção estas: 2 Co 1:12: "Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência, de que com simplicidade e sinceridade de Deus, não com sabedoria carnal, mas na graça de Deus, temos vivido no mundo, e de modo particular convosco."; e PV 18:12: "O coração do homem se exalta antes de ser abatido e diante da honra vai a humildade."
    É assim que tem que ser.
    Obrigado pela bela mensagem!
    Salim

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